Fundamentos da cromatografia de convergência

Fundamentos da cromatografia de convergência

O mecanismo básico de qualquer separação cromatográfica é criar condições em que todas as moléculas do analito na mistura de amostra se movam através do sistema, mas em velocidades diferentes — de maneira que, quando eluírem da coluna analítica, elas estejam suficientemente separadas umas das outras para serem detectadas e quantificadas. Para executar esse processo, a cromatografia tem dois componentes principais: uma fase estacionária e uma fase móvel. A principal função da fase estacionária é interromper ou reter o movimento do composto, enquanto a da fase móvel é reter e também forçar os compostos a se moverem da entrada para a saída do sistema. Esse é o mecanismo fundamental da GC (Cromatografia a gás, Gas Chromatography), da LC (Cromatografia líquida, Liquid Chromatography) ou da CC (cromatografia de convergência, Convergence Chromatography). A principal diferença entre a CC e a LC ou a GC é como as propriedades da fase móvel influenciam os respectivos comportamentos cromatográficos.

Figura 2. Três técnicas cromatográficas complementares utilizadas no laboratório analítico.

Função da fase móvel em CC em comparação com LC e GC

Na GC, a fase móvel é normalmente um gás inerte ou não reativo, normalmente He ou N2. Nas temperaturas e pressões operacionais da GC, a fase móvel não consegue solvatar as moléculas do analito nem modificar a superfície da fase estacionária. A fase móvel da GC atua principalmente como um transportador ou condutor das moléculas do analito através da coluna de GC. A retenção e a separação do analito ocorrem apenas por meio de interações entre as moléculas do analito com a fase estacionária. Isso ocorre apenas por meio de interações entre as moléculas do analito com a fase estacionária. Isso é representado na Figura 3 pelo espaço em branco ao redor das moléculas do analito.

Figura 3. Representação esquemática da cromatografia a gás (GC), da cromatografia líquida de fase reversa (RPLC, Reversed Phase Liquid Chromatography), da cromatografia líquida de fase normal (NPLC, Normal Phase Liquid Chromatography) e da cromatografia de convergência (CC) com base nas funções desempenhadas pela fase móvel. Os círculos maiores amarelos e vermelhos representam as moléculas do analito. Os círculos menores nas caixas RPLC, NPLC e SFC representam as moléculas do solvente. O bloco fino com círculos menores presos a ele, na parte inferior das caixas, representa a fase estacionária.

Na LC, por outro lado, a fase móvel desempenha um papel ativo, onde as moléculas interagem fortemente com as moléculas do analito e com a fase estacionária. A fase móvel influencia a retenção do analito não apenas solvatando diretamente os analitos, mas também influenciando as interações entre o analito e a fase estacionária — competindo pela superfície da fase estacionária (Figura 3). 

A Figura 3 apresenta a LC nos modos RPLC e NPLC. Observe que uma das principais diferenças entre esses dois modos de LC está na composição da fase móvel: a RPLC é à base de água, enquanto a NPLC tem base orgânica. Na RPLC, a fase móvel à base de água, em conjunto com a fase estacionária da C18, modifica efetivamente as interações que os analitos têm com a fase estacionária — desempenhando, assim, um papel importante na resolução de analitos de amostras em uma ampla variedade de misturas de compostos. No desenvolvimento de métodos RPLC, a primeira modificação geralmente é feita na fase móvel, não na fase estacionária. Na NPLC, por comparação, a fase móvel baseada em hexano ou heptano tem um papel relativamente moderado, e a separação ocorre amplamente pela variação do recheio da fase estacionária.

O papel da fase móvel na CC está em algum lugar entre a RPLC e a NPLC devido às propriedades únicas do CO2, supercrítico ou não. O CO2 comprimido é não polar, como o heptano ou hexano. Com base nisso, a CC é mais parecida com a NPLC. No entanto, há uma diferença fundamental: o CO2 é capaz de se misturar completamente com cossolventes polares (por exemplo,  metanol, etanol, acetonitrila, etc.). Portanto, ele pode ser utilizado em modos de gradiente, ao contrário da NPLC, que quase sempre é utilizada no modo isocrático. Além disso, as fases móveis de CC são muito mais tolerantes à presença de pequenas quantidades de água do que as da NPLC, o que pode desempenhar um papel importante na eluição de analitos.

Na próxima seção, é apresentada uma comparação sistemática entre CC e RPLC/NPLC, com base nas diferenças de propriedade entre os principais solventes de cada técnica.

Influência das propriedades de CO2 no comportamento cromatográfico

Miscibilidade do CO2 com outros solventes

O CO2 é um solvente não polar com um índice de polaridade semelhante ao do heptano (= 0,1). Entretanto, ao contrário do heptano, o CO2 tem um momento de quadrupolo diferente de zero (-13·4 ± 0·4 × 10-40 C m2) e é completamente miscível com solventes orgânicos altamente polares, como a acetonitrila (índice de polaridade = 5,8) e o metanol (índice de polaridade = 5,1). Embora seja moderadamente miscível com água (índice de polaridade = 10,2), ele é miscível com misturas de metanol/água, isopropanol/água ou acetonitrila/água com proporções consideráveis de água. Essa ampla faixa de miscibilidade permite que a fase móvel de CC estenda sua polaridade por uma faixa mais ampla do que as fases móveis de NPLC e RPLC. A Tabela 1 apresenta uma imagem concisa da situação em termos de valores eluotrópicos (força de eluição) e índices de polaridade dos solventes utilizados em RPLC, NPLC e CC.

Observe que, na Tabela 1, a fase móvel à base de água da RPLC pode empregar apenas um intervalo limitado da série eluotrópica devido à miscibilidade limitada da água com a maioria dos outros solventes orgânicos. De maneira semelhante para NPLC, a fase móvel baseada em hexano/heptano não permite um amplo intervalo eluotrópico devido à miscibilidade limitada de orgânicos não polares com solventes altamente polares. Um problema adicional com a NPLC é que nem todos os solventes orgânicos são amplamente miscíveis, mesmo uns com os outros, resultando na incompatibilidade de determinadas misturas. Na CC, por outro lado, o CO2 comprimido é miscível com todos os outros solventes em toda a série eluotrópica, o que abre uma ampla variedade de opções na fase móvel para influenciar a seletividade das separações (consulte a Tabela 1). Embora o CO2 seja não polar, a CC é comparável à RPLC porque pode ter uma força eluotrópica muito mais ampla, especialmente no lado da polaridade mais alta, em comparação com a NPLC. Por exemplo, combinando CO2 com metanol, as forças eluotrópicas da fase móvel podem ser programadas de 0 a 0,73Eo.

Figura 4. A seletividade das colunas pode ser uma ferramenta excepcionalmente poderosa ao desenvolver métodos em CC. Neste exemplo, um ingrediente farmacêutico ativo e seus compostos relacionados foram analisados em várias fases estacionárias (típicas para fase reversa e fase normal) sob um conjunto fixo de condições.
Tabela 1. Opções de seletividade de solventes para a cromatografia de fase reversa, de fase normal e de convergência.
Tabela 2. As opções da fase estacionária para a cromatografia de fase reversa, de fase normal e de convergência. A cromatografia de convergência pode utilizar recheios de coluna tradicionais de fase normal e de fase reversa, abrindo uma ampla variedade de opções de seletividade para desenvolver uma separação.

Junto com o intervalo eluotrópico extenso, a fase móvel à base de CO2 da CC é compatível com o maior número de recheios de fase estacionária. A Tabela 2 lista as fases estacionárias comumente empregadas para NPLC e RPLC. A maioria das separações de RPLC é realizada com fases estacionárias da C18, com relativamente poucas instâncias utilizando outras fases ligadas. Algumas fases estacionárias listadas não podem ser utilizadas com RPLC devido à polaridade mais alta. Assim como na NPLC, a seleção de coluna é restringida pelo intervalo de polaridade da fase móvel. Com a CC, graças à sua faixa de polaridade mais ampla, é possível utilizar todos esses recheios de coluna, o que abre um leque mais amplo de opções de seletividade (consulte a Figura 4). Como observado por West e Lesellier, todos esses recheios podem trabalhar com a mesma composição de fase móvel, e isso abre a possibilidade empolgante de utilizar colunas de polaridades muito diferentes.

A miscibilidade do CO2 também é importante por outro motivo: a CC é compatível com uma ampla variedade de diluentes de amostras (o solvente no qual a amostra é dissolvida ou diluída). Essa característica da CC impacta fortemente a rotina de trabalho em geral do laboratório. Frequentemente, o maior gargalo em um laboratório cromatográfico é o preparo de amostras. Os métodos de preparo de amostras mais comuns resultam na dissolução dos analitos de interesse em um solvente incompatível com o sistema LC em questão. Por exemplo, muitos analitos são facilmente dissolvidos em um solvente orgânico — e, portanto, mais bem extraídos com ele. Como grandes quantidades de solventes orgânicos são incompatíveis com a RPLC, muitas vezes são necessárias etapas adicionais para converter as soluções ou os extratos orgânicos em algo compatível com a RPLC (Figura 5). A CC é compatível com a injeção direta de amostras dissolvidas em solventes orgânicos. Isso significa que as etapas de evaporação de solventes orgânicos e a reconstituição (muito demorada) da amostra em diluentes à base de água, exigidas para separações de fase reversa, não são mais necessárias. O resultado é uma economia de custo considerável em um ensaio como um todo. Além disso, o tempo de análise pode ser muito mais curto — um impacto global significativo, especialmente para laboratórios que executam vários sistemas RPLC configurados para analisar várias amostras.

Figura 5. Exemplos de várias técnicas de preparo de amostras, que frequentemente terminam com a dissolução da amostra em um solvente orgânico.

Em suma, graças à combinação de CO2 comprimido não polar com um cossolvente em qualquer um dos extremos do espectro eluotrópico, juntamente com uma maior diversidade de fases estacionárias compatíveis com CC, é possível explorar um espaço de seletividade excepcionalmente grande, tornando a CC aplicável a uma ampla variedade de desafios de separação.

Propriedades de transporte de CO2

Outra vantagem das propriedades da CC é a baixa viscosidade e a resultante alta difusividade das moléculas dos analitos na fase móvel da CC. Do ponto de vista das propriedades físicas, a eficiência de uma coluna cromatográfica é controlada pela difusividade do analito na fase móvel. Quanto maior a difusividade de uma molécula, mais rápido ela se desloca para dentro e para fora dos poros das partículas estacionárias, resultando em uma alta eficiência, mesmo a uma velocidade elevada na fase móvel. Na CC, mesmo após a adição de volumes significativos de modificador líquido (por exemplo, para CO2/metanol (70/30, mol/mol %), a viscosidade da fase móvel é pelo menos a metade da observada nas fases móveis de LC (consulte a Tabela 3). Isso significa que é possível operar a CC em taxas de fluxo de fase móvel muito mais altas, sem sacrificar a eficiência da coluna. Isso torna a CC uma ótima candidata para análises de alto desempenho.

É significativa a vantagem da CC em duas áreas-chave das aplicações: screenings quirais rápidos e como substituta da cromatografia de fase normal para separações aquirais. No screening quiral, o tempo de análise é reduzido de 20 minutos para apenas 3 minutos, uma diminuição de sete vezes, com um aumento na resolução. Essa melhoria é resultado principalmente da utilização de gradiente de solvente na CC, o que não é possível na NPLC. Outra vantagem da CC é o menor consumo de solvente, o que resulta em reduções de custo significativas.

Figura 6. A utilidade de CC para a substituição da fase normal.

A substituição de solventes orgânicos de fase normal por uma fase móvel composta principalmente de CO2 comprimido (Figura 6) reduz o custo por análise de aproximadamente seis dólares para apenas cinco centavos por amostra. O impacto financeiro total dos tempos de análise mais curtos e da redução nos custos com a compra e o descarte de solventes é excepcional.

Papel de outras propriedades vantajosas

A Tabela 4 lista as vantagens das fases móveis de CC em relação às fases móveis de LC. Além das vantagens da miscibilidade e da baixa viscosidade, também há a baixa tensão superficial. A baixa tensão superficial permite que a fase móvel entre mais rapidamente nos poros das partículas da fase estacionária, levando a um equilíbrio mais rápido da coluna.

Outras propriedades do CO2, que tornam a CC muito atrativa como sistema cromatográfico, é que a operação dele é mais barata, segura e sustentável. O CO2 está prontamente disponível e não depende de nenhum outro processo crítico (por exemplo, o da acetonitrila como um subproduto da indústria petroquímica). O CO2 de grau comercial é neutro em carbono e considerado um solvente verde. O CO2 custa muito menos do que outros solventes orgânicos e pode ser liberado diretamente na atmosfera (se não for reciclado) sem incorrer em quaisquer custos de descarte.

O CO2 não é inflamável, não é tóxico e é mais fácil de armazenar. É impossível encontrar uma fase móvel que combine as propriedades do CO2 — miscibilidade e baixa viscosidade — que seja tão econômica e ecologicamente correta, o que torna a CC superior à LC para muitas aplicações. O somatório dos benefícios de todas essas propriedades, listadas na Tabela 4, torna o CO2 um solvente único.

Supercrítica ou não?

Como explicado anteriormente, do ponto de vista cromatográfico, não importa se a fase móvel é supercrítica ou não na CC. No entanto, para realizar a separação cromatográfica, é absolutamente necessário que a fase móvel da CC seja homogênea, não uma mistura heterogênea de gás e líquido. Para garantir a homogeneidade, a fase móvel da CC é mantida acima de uma determinada pressão, que pode ser facilmente ajustada por meio de um regulador de contrapressão automatizado (ABPR, Automated Back-Pressure Regulator).

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